27
Out
2017

Novo Estatuto Jurídico do Animal: repercussões no Direito da Família

27
Out
2017

O Estatuto Jurídico do animal, ora regulamentado nos termos da Lei n.º 8/2017, de 3 de Março, e em vigor desde 1 de Maio do presente ano, vem reconhecer, juridicamente, o que há muito se encontra, socialmente, enraizado: a necessidade de protecção da vida animal e consequente consciência de que o animal não é coisa.

Até há bem pouco tempo, particularmente no plano jurídico-civilístico, não era esse o entendimento, estando os animais (não humanos) submetidos ao mesmo tratamento jurídico dos objectos inanimados, ou seja, das “coisas”. Tal estado de (não)graça acontecia independentemente de a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia – aplicável, no nosso ordenamento jurídico, por força disposto do Decreto-lei n.º 276/2001, de 17 de outubro – já qualificar «a relação dos humanos com os animais como mais responsabilizante do que uma mera relação de posse de coisa, e, como tal, materialmente diferente desta».

Actualmente, e por força do disposto no artigo 201.º B do Código Civil (CCivil), é estatuído que os animais transcendem a esfera inanimada, sendo considerados como «seres vivos dotados de sensibilidade e objecto de protecção jurídica, em virtude da sua natureza». Embora tal protecção se estenda muito para além desse universo, são de destacar as novidades introduzidas no plano do Direito da Família, designadamente no Capítulo IX do Código Civil, respeitante aos efeitos do casamento quanto às pessoas e aos bens do cônjuge. Nesse sentido, analisado o regime da comunhão geral, verifica-se que é, hoje, bem incomunicável, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 1733.º do Código Civil, o animal que cada cônjuge tiver ao tempo da celebração do casamento, exigindo-se que, aquando da interposição de acção de divórcio por mútuo consentimento, e além dos tradicionais acordos que teriam de existir, os futuros ex-cônjuges se entendam quanto ao destino dos seus animais, se os houver, conforme disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 1775.º do Código Civil.

O princípio da protecção dos animais de companhia é ostensivo, ainda, com a introdução do artigo 1793.º A do CCivil, ao dispor que, no âmbito de uma acção de divórcio, a decisão sobre a atribuição do animal de companhia deva ter em conta não só os interesses de cada um dos cônjuges e dos filhos do casal, mas ainda, e também, o bem-estar do animal.

Embora se louve tal propósito legislativo, não pode deixar de se constatar que, em virtude deste, maiores questões se levantam, uma vez que, não obstante, formalmente, os animais deixarem de ser coisas, materialmente, parece que o continuam a ser. Questiona-se, assim: será que no âmbito de uma acção de divórcio, sendo o animal confiado a um dos cônjuges, deverá o outro ter direito a visitas? Ora, refira-se, desde já, que não sendo alcançado acordo entre os cônjuges, tal tarefa caberá ao Juiz, o qual sempre deverá atentar no disposto pelo artigo 1793.º A do CCivil, designadamente aos interesses de cada um dos cônjuges e filhos, bem como do animal. Contudo, não se olvide, e apesar de a Lei n.º 8/2017, de 3 de Março, reconhecer a sensibilidade e proteger o bem-estar dos animais, que os mesmos continuam a estar inscritos no regime da propriedade. Assim acontece, uma vez que o legislador, no artigo 201.º D do Código Civil determinou a aplicação subsidiária, aos animais, das disposições relativas às coisas. Como constatámos: formalmente não é coisa, mas materialmente é-o. Destarte, sendo o animal, em processo de divórcio, confiado a um dos cônjuges, o mesmo inscrever-se-á na sua esfera jurídica, a par de todos os outros bens, incindindo sobre ele um direito de propriedade e, devido a tal facto, a atribuição de direito de visitas a outrem, nomeadamente ao seu ex-cônjuge, sempre dependerá do seu consentimento.

Posto isto, embora seja de louvar tal passo legislativo, dada a genérica consciencialização da importância dos animais de companhia e a obrigação moral do Homem de os proteger, tal alteração está longe de se consubstanciar perfeita e, muito menos, de se afigurar concluída.

 

 

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