27
Out
2017

Efeitos patrimoniais da cessação da União de Facto

27
Out
2017

A União de Facto, situação fáctica que ocorre quando exista entre duas pessoas uma vida em comum, em condições análogas às dos cônjuges, com comunhão de leito, mesa e habitação, consubstancia uma realidade jurídica formalmente distinta da do casamento, uma vez que, não existindo vínculo jurídico, as partes não estão adstritas a qualquer um dos deveres conjugais a que alude o artigo 1672.º do Código Civil (CC), como é exemplo disso o dever de assistência.

Por o cerne da questão relativo aos efeitos patrimoniais da cessação da União de Facto assim o requerer, alude-se ao instituto do enriquecimento sem causa, o qual foi consagrado, como fonte autónoma de obrigações, pelo artigo 473.º do Código Civil. Tal preceito legal dispõe que, quem, sem causa justificativa, se enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. Nesses termos, para que haja lugar à obrigação de restituir é necessário que o enriquecimento tenha sido obtido imediatamente à custa daquele que se arroga do direito à restituição, sendo que tal pressupõe, nos termos da disposição citada, a verificação de três requisitos, designadamente: (1) o enriquecimento ter sido obtido por alguém, (2) o enriquecimento carecer de causa justificativa e, cumulativamente, (3) ter sido obtido à custa de quem requer a restituição.

Enquanto comunhão de leito, mesa e habitação, a União de Facto pressupõe a existência de uma vida em comum, sustentada pela contribuição monetária de um ou de ambos os membros da relação. Assim, parece-nos seguro afirmar que aquela constituiu a causa jurídica de qualquer contribuição monetária realizada nesse âmbito. Por conseguinte, e se as relações jurídicas patrimoniais entre cônjuges, e destes com terceiros, se encontram especificamente reguladas, tal não acontece no âmbito da união de facto, levantando-se questões quanto ao património comum dos ex-unidos, aquando da sua dissolução, às quais a doutrina e a jurisprudência têm acorrido por intermédio do regime geral das relações obrigacionais e reais.

Assim sendo, a questão que se coloca é a de como resolver a realidade fáctica em que apenas um dos parceiros contribuiu para a aquisição de bens, que se encontra formalmente na propriedade exclusiva do outro? Mais se questiona se tal situação poderá ser reconduzida a um enriquecimento sem causa? É que, extinguindo-se a causa jurídica de qualquer contribuição monetária, deixa de subsistir justificação para a privação da contribuição, de um deles, no âmbito da aquisição de qualquer bem.
Nesse sentido, a doutrina e jurisprudência têm perfilhado o entendimento de que, nos termos da segunda parte do n.º 2 do artigo 473.º do Código Civil, se deve recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa, na modalidade de “condictio ob causam finitam”, isto em virtude de ter ocorrido um enriquecimento resultante de uma causa que deixou de existir.

No seguimento do que vem sendo dito, atente-se ao proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Acórdão de 3 de Novembro de 2016, o qual versou sobre uma situação em que estava em causa uma união de facto dissolvida em que foram adquiridos bens durante a relação, bens estes suportados integralmente por apenas um dos ex-unidos, que ficaram, finda aquela, na propriedade exclusiva da sua ex-parceira.

Na fundamentação do seu douto Acórdão, o STJ esclareceu a questão, estabelecendo que «a contribuição monetária de um dos membros da união de facto, para a construção de uma casa e a aquisição de um veículo automóvel, não se enquadra no âmbito da satisfação dos encargos da vida familiar» e, por isso, «com a dissolução da união de facto extingue-se a causa jurídica da contribuição monetária», ficando o outro membro da união obrigado a restituir o que dele recebeu, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.

Em conclusão, consubstanciando a dissolução da União de Facto a extinção da causa jurídica que motiva a contribuição monetária e/ou patrimonial dos unidos, parece-nos que tudo o que tiver sido prestado, no decurso da mesma, e, comprovadamente, tiver provocado um enriquecimento indevido de um dos ex-parceiros à custa do “prestador”, obriga o locupletado a devolver o bem ou a restituir o seu valor.

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