31
Ago
2018

A Perigosa Confidencialidade das Decisões Constitucionais

31
Ago
2018

“As novas normas vão criar mais dificuldades aos casais que não conseguem ter filhos, uma vez que tal medida poderá, desde logo, provocar uma significativa quebra nas doações”.


Em Maio de 2018, assistimos ao chumbo de certas normas da Lei da gestação de substituição, pelo Tribunal Constitucional, impondo assim o fim da confidencialidade em todas as técnicas de Procriação Medicamente Assistida (PMA) relativa aos dadores de esperma, ovócitos ou embriões.

O Tribunal Constitucional propugnou pelo fim do sigilo existente desde a Lei da Procriação Medicamente Assistida (LPMA) aprovada em 2006, que protegia os dadores anónimos de esperma, ovócitos ou embriões e que, a manter-se, seria de aplicar agora também à gestação de substituição.

Este chumbo do Tribunal Constitucional a algumas normas relacionadas com as “barrigas de Aluguer” pode vir a ter impacto significativo na PMA. Está em causa o fim do anonimato, juntando Portugal a países como o Reino Unido, Suécia ou a Holanda. O Tribunal Constitucional fundamentou o chumbo por comportar "uma restrição desnecessária aos direitos, à identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade das pessoas nascidas".

Vários especialistas alertam que as novas normas vão criar mais dificuldades aos casais que não conseguem ter filhos, uma vez que tal medida poderá, desde logo, provocar uma significativa quebra nas doações. João Silva Carvalho, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução, alertou em comentário à decisão do TC - “Vai afectar o funcionamento dos centros. Isso é indiscutível. Vai afectar sobretudo na doação de ovócitos e vai afectar na doação de embriões. (…) Temos muita falta em relação à doação de espermatozóides, que inspira da parte do dador um temor de que no futuro possa a vir ser revelado o seu nome.”

Países como o Reino Unido ou a Suécia sentiram a necessidade de fazer alterações à Lei, essencialmente porque as soluções inicialmente previstas, privilegiando o anonimato, acabaram igualmente por se tornar insustentáveis.

A questão assume especial relevância também na questão da sua retroactividade, sendo de alertar para os perigos que podem surgir no plano social, isto porque não existe uma referência expressa sobre o fim do anonimato e sobre se o mesmo só deverá vigorar para doações futuras.

Rafael Vale e Reis, professor da Universidade e Coimbra considera que “deveria ter havido aqui alguma limitação de efeitos da decisão do Tribunal, para evitar que fossem abrangidas as dádivas passadas. O Reino Unido, o que fez foi dizer que, no fundo, esta alteração não tinha efeitos retroactivos”.

Consideramos que, no panorama actual, só o Legislador pode analisar, interpretar e reflectir sobre a decisão do Tribunal Constitucional, criando um regime transitório que permita salvaguardar aqueles que no passado aceitaram recorrer ou participar de medidas em PMA. De certa forma, afirmar ou reforçar que se trata de uma decisão com efeitos ex nunc, caso contrário, é como se o anonimato nunca tivesse existido.

Com tal decisão, o Tribunal Constitucional corre o risco de sofrer pesadas críticas, nomeadamente por poder coadjuvar um processo de transformação dos dadores ou gestantes em mães e pais do ponto de vista jurídico. E agora? Investe-se na compra de gâmetas no estrangeiro? Eurico Reis recorda que “praticamente só há recolha de gâmetas nos países que mantém o anonimato de dadores”.

Os dadores querem ser pais ou mães? Ou os dadores querem ajudar outros a serem pais e mães? Será justo obrigarmos indivíduos que fizeram determinada doação (no pressuposto de esta ser sigilosa) verem esse mesmo sigilo quebrado? o que será feito com as dádivas que estão criopreservadas no banco público e nos centros PMA sob anonimato? serão destruídas?

Esta decisão poderá servir de mote a alterações legislativas importantes no âmbito da confidencialidade, sendo pertinente que o legislador venha, por exemplo, estabelecer uma idade a partir da qual uma pessoa possa estar habilitada a solicitar informação sobre quem é o dador do material genético a partir do qual foi gerado.

Ainda muita tinta deve correr no que a este assunto diz respeito, mas é importante que rapidamente se preencha o vazio legal deixado por este Acórdão, sob pena de a taxa de natalidade continuar a decrescer e a população continue a caminhar perigosamente para um progressivo envelhecimento. In casu, pedia-se talvez ao TC que tivesse sido um pouco menos confidencial e um pouco mais expansivo nas suas intenções e fundamentações.

 

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