31
Mai
2018

A Aquisição para o Domínio Total: a protecção dos sócios minoritários

31
Mai
2018

“Esta reconfiguração jurídico-social, vivida nas últimas décadas, teve sérios impactos na constituição de grupos de sociedades (...)”


No contexto de integração europeia, da crescente globalização e internacionalização dos mercados, as relações societárias comerciais têm sofrido progressivas metamorfoses. Ao longo dos últimos anos, vimos emergir vários mecanismos jurídico-instrumentais à reorganização societária.

Esta reconfiguração jurídico-social, vivida nas últimas décadas, teve sérios impactos na constituição de grupos de sociedades, da qual se destaca a problemática em torno do instituto da aquisição tendente ao domínio total.

Consagrado no nosso ordenamento jurídico em dois diplomas distintos, inicialmente este surgiu no âmbito das sociedades coligadas e grupos de sociedades, ao abrigo do artigo 490.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais (CSC), tendo posteriormente sido desenvolvido no seio das sociedades abertas ao investimento público, conforme prevê o artigo 194.º e segs. do Código de Valores Mobiliários (CdVM).

Pese embora apresentarem notas bastante diferenciadoras, os dois regimes perseguem o mesmo desígnio, isto é, o de proporcionar ao sócio maioritário a possibilidade de adquirir potestativamente as participações dos sócios minoritários e, ao mesmo tempo, acautelar os interesses destes últimos mediante a atribuição de uma contrapartida justa.

Concretizando, no âmbito dos grupos de sociedades, por via do mecanismo aquisitivo previsto no artigo 490.º do CSC, o sócio maioritário (sociedade dominante) que detenha pelo menos 90% do capital social de uma determinada sociedade (sociedade dominada) pode, potestativamente, adquirir as participações sociais remanescentes, através de uma simples manifestação de vontade, independentemente do arbítrio dos sócios minoritários. Ora, atingindo essa participação qualificada, o sócio maioritário fica investido no poder de, querendo e cumprindo as formalidades previstas na lei, adquirir a totalidade do capital social da sociedade dominada e, assim, tornar-se sócio único.

A prática tem demonstrado que, em regra, esta operação aquisitiva desagua ainda na criação de uma relação de domínio total superveniente, passando a existir uma total subordinação da sociedade dominada pela sociedade dominante, do ponto de vista jurídico e económico.

Por ser potencialmente prejudicial aos direitos de propriedade individuais, garantidos pela Constituição da República Portuguesa, esta questão despoletou alguma controvérsia doutrinal e jurisprudencial. Actualmente, tal querela encontra-se pacificada, tendo o Tribunal Constitucional, por Acórdão datado de 26 de Novembro de 2002, no âmbito do processo 310/99, colocado termo a este debate, no sentido da consti-tucionalidade do instituto.

Não obstante, aquando da sua utilização, dever-se-á proceder com muita prudência, tendo a consciência de se está perante uma operação complexa, que será ser sempre examinada por todos os sócios de modo a tentar detectar qualquer tentativa de fraude ou abuso. Trata-se sempre de uma questão sensível que tem por base a apropriação das participações sociais dos sócios minoritários pelo sócio maioritário, obrigando-se os primeiros a um estado de sujeição, os quais são imobilizados defronte dos efeitos jurídicos inerentes a essa aquisição.

Razões pela qual o exercício deste direito potestativo, quer no CdVM, quer no CSC, está intrinsecamente associado a imperativos pressupostos, formalidades e consequências que devem ser respeitados, com o fito principal de proteger os sócios minoritários.

A necessidade de uma protecção justa e adequada dos sócios minoritários, que se vêm expropriados das suas participações, é um dos pressupostos da racionalidade económica intrínseca a esta operação, uma vez que o pagamento de uma contrapartida constitui uma garantia dos sócios minoritários, a qual pretende atenuar o impacto que a expropriação terá na sua esfera jurídica e económica.

De todo o regime deste instituto, a questão que suscitará mais controvérsia centra-se, precisamente, em torno da regulamentação da contrapartida a atribuir aos sócios minoritários, mormente quanto à determinação do valor das suas participações.

Contrariamente ao que sucede quanto a sociedade abertas, cujo regime se encontra regulamentado no CdVM, no âmbito das sociedades coligadas e grupos de sociedades, o legislador português não desenvolveu esta matéria, limitando-se apenas a estabelecer no n.º 2 do artigo 490.º do CSC que o valor da contrapartida deve ser justificado por relatório elaborado por um revisor oficial de contas independente das sociedades interessadas.

Em face a tal disposição normativa, levantam-se as seguintes questões: qual o valor a atribuir ao relatório elaborado pelo revisor oficial de contas? Em que moldes deve tal avaliação deve ser realizada? Quais os métodos a aplicar? Quais os valores a ter em consideração? Que sinergias devem ser contabilizadas nesse cálculo?

A letra da lei é omissa, não permitindo responder a tais questões que, no nosso entender, constituem a pedra basilar do instituto e que ainda não foi alvo de tratamento legislativo ou de reflexão jurisprudencial.

Como interpretar o silêncio do legislador? Perfilhamos o entendimento de que tal omissão legislativa deverá ser preenchida através da utilização de um método que compute, no seu cálculo, o valor médio das participações sociais no mercado e todas as sinergias da sociedade dominada, como são exemplo o valor dos ativos da empresa, os ganhos obtidos e as suas perspectivas de negócios, de acordo com uma ponderação apropriada para cada caso, durante o período de referência de doze meses anteriores à operação aquisitiva. Em todo o caso, só com a consagração de um método idóneo a atingir uma racionalidade económica, conseguiremos tutelar verdadeiramente os interesses dos sócios minoritários e, assim, alcançar um equilíbrio de interesses.

Urge, assim, discriminar qual o método de determinação da contrapartida a atribuir ao sócio minoritário em virtude da aquisição aquisitiva, devendo tal questão não ser descurada pelo legislador português, numa próxima revisão ao Código das Sociedades Comerciais.

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