31
Dec
2017

Utilização do telemóvel para fins pessoais durante o horário de trabalho.

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Dec
2017

“De facto, perante toda a densificação da utilização dos telemóveis e outros meios tecnológicos de comunicação móvel, é irrealista e contraproducente que, no contexto da relação de trabalho, se proíba de forma absoluta a sua utilização para fins que não sejam estritamente profissionais, quando feita de forma mínima e responsável.”

 

«A.- Estou sim? Bom dia! B.- Viva, como estás, Artur? A.- Tudo bem, e contigo? Que tal foi o fim de semana? B.- Foi bom. Mas... não estás a trabalhar?? A. – E estou…»

Será possível uma utilização do telemóvel por parte do trabalhador durante o seu horário de trabalho? Durante aquele período em que deveria estar com total heterodisponibilidade em prol de uma diligente prestação da sua actividade laboral, sem distracções ou perturbações tendentes a afectar o bom ambiente de trabalho e/ou a produtividade da empresa?

De facto, não existe um normativo legal que – sem mais - proíba liminarmente o trabalhador de utilizar o seu telemóvel durante o seu tempo de trabalho. Existem, sim, alguns preceitos a que o trabalhador deve atender no decorrer da sua prestação de trabalho, tal como a obrigação de prestar a sua actividade com rigor, zelo e diligência, não observando comportamentos que coloquem em causa a boa produtividade da entidade empregadora.

E será que uma utilização mínima e responsável é susceptível a traduzir-se numa inobservância dos seus deveres laborais, ou será até vulnerável a desencadear uma sequela na produtividade da entidade empregadora? É uma incógnita. Na verdade, todos estes juízos só poderão ser avaliados casuisticamente, em função do tipo de actividade laboral a ser prestada e do modo de utilização que o trabalhador faz do seu telemóvel.

Em boa verdade, se estivermos perante uma actividade laboral prestada numa linha de produção estandardizada (por exemplo), naturalmente que a paragem da actividade por parte do trabalhador para utilizar o telemóvel poderá provocar consequências nefastas para a produtividade da entidade empregadora. Situação distinta já será o caso em que o trabalhador preste um outro tipo distinto de actividade laboral que hipoteticamente contenha vários “tempos mortos” (recepcionista, administrativo, etc.). Efectivamente, a utilização do telemóvel nesses mesmos períodos não deverá afectar per si a produtividade e a boa execução da prestação de trabalho, pelo que poderá ser perfeitamente lícita uma utilização residual e consciente do telemóvel.

É consensual que a produtividade da entidade empregadora deverá estar no cerne da apreciação do carácter lícito ou ilícito na utilização do aparelho eletrónico pelo trabalhador. Não obstante, também não poderá ser descurada a promoção humana e social deste, o que acaba por reforçar a tese de não estar inteiramente vedada ao trabalhador a utilização de telemóvel durante o horário de trabalho, desde que estejam contempladas condições que o possibilitem, sem que a sua conduta redunde numa omissão/inobservância dos seus basilares deveres laborais.

Inolvidavelmente, a relação laboral envolve uma implicação profunda na pessoa do trabalhador, em várias dimensões que não apenas as técnico-profissionais. Esta é uma relação marcada por elevados índices limitativos da liberdade de acção do trabalhador, pelo que acaba por ser natural que tais limitações desencadeiem um conflito entre a esfera de garantias do trabalhador e o poder de direcção e organização da entidade empregadora.

Por natureza a própria especificidade da relação laboral implica uma série de limitações da liberdade do trabalhador, pelo que esta limitação - a ser criada pela entidade empregadora - seria apenas mais uma a juntar a muitas outras possíveis de serem impostas ao trabalhador. Ainda que o legislador não contemple um normativo que iniba o trabalhador de utilizar o telemóvel no seu horário de trabalho, é plenamente lícito à entidade empregadora definir as regras da sua utilização na execução da prestação da sua actividade laboral.

De facto, perante toda a densificação da utilização dos telemóveis e outros meios tecnológicos de comunicação móvel, é irrealista e contraproducente que, no contexto da relação de trabalho, se proíba de forma absoluta a sua utilização para fins que não sejam estritamente profissionais, quando feita de forma mínima e responsável.

Porém, não se poderá sonegar que a faculdade de regulamentar condutas é necessária para a organização da empresa, representando um instrumento fundamental não só para a valoração das formas de execução do contrato de trabalho, como também para a própria efectivação do poder directivo da entidade empregadora.

Ainda assim, esta prerrogativa ao dispor do empregador, atendendo à posição de dependência do trabalhador, potencia a existência de um manifesto risco de serem violados os seus direitos pessoais. Pelo que, em regra, o controlo da utilização do telemóvel durante o tempo de trabalho não deve - desde logo – ser feito de forma individualizada, mas sim de uma forma global e não persecutória face a algum trabalhador singular.

Ora, a regulamentação e publicitação da utilização do telemóvel durante o período de trabalho poderão ser feitas tendencialmente de duas formas: mediante a inclusão das regras no regulamento interno da empresa; ou através de um documento autónomo que fixe estas normas, o qual deverá ser afixado num local (ou vários) apropriado a que todos os trabalhadores possam obter conhecimento do seu conteúdo.

Neste sentido, e caso pretenda regulamentar tal utilização, compete ao empregador indicar, de forma cabal e clara, em que momentos poderão os trabalhadores fazer uso do seu aparelho de comunicação móvel (ou outros similares). É recomendável que essas condições e limitações sejam claramente publicitadas, de modo a que seja assegurado ao trabalhador o conhecimento claro e consciente do grau de tolerância e do tipo de utilização que lhe é permitido durante os períodos de prestação da actividade laboral, de forma a conseguirem simultaneamente antever as consequências que resultarão do incumprimento daquelas determinações.

Atento ao supra exposto, acaba por ser consensual que o caminho da regulamentação interna destas situações deverá ser o caminho a seguir por qualquer entidade empregadora. E, nos casos em que este regulamento interno inexista, impossibilitando uma solução liminar destas questões, restará sempre recorrer a um dos maiores cânones da relação laboral: o bom senso!

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