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2016

TC determina: Apoio judiciário para as pessoas colectivas

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Recentemente, através do Acórdão n.º 591/2016, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional, por violação do artigo 20.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 7.º n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, na parte em que recusa proteção jurídica a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas. In casu, a Recorrente apresentou um pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de patrono. Sucede que, o pedido foi rejeitado liminarmente com base no artigo 7.º n.º 3 da já citada Lei n.º 34/2004, segundo a qual, “as pessoas coletivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a proteção jurídica”. Não se conformado com o aí estatuido, a Recorrente impugnou judicialmente tal rejeição, invocando, entre outros fundamentos, a inconstitucionalidade da norma contida no citado artigo 7.º n.º 3, assim como a sua contrariedade relativamente ao direito da União Europeia, maxime no que respeita ao artigo 47.º da CDFUE. Não obstante isso, o Tribunal recusou provimento à impugnação por manifesta TEMA DE CAPA DEZEMBRO 2016 inviabilidade, decidindo ipsis verbis que “a requerente é uma pessoa coletiva com fins lucrativos, pelo que é a própria lei (...) que lhe recusa este tipo de protecção.” Irresignada, a Recorrente interpôs o competente recurso de constitucionalidade com base no artigo 70.º n.º 1, alínea b), da LTC, para apreciação da norma do artigo 7.º n.º 3, da LADT, “na parte em que recusa proteção jurídica, nomeadamente apoio judiciário, a pessoas coletivas com fins lucrativos, sem consideração pela concreta situação económica das mesmas e/ou na parte em que recusa proteção jurídica, nomeadamente concessão de apoio judiciário, a pessoas coletivas que nas circunstâncias económico-financeiras e sociais absolutamente excecionais mencionadas provando a sua insuficiência económica, demonstrem que o litígio para o qual é requerido o apoio exorbita da respetiva atividade económica normal, ocasionando custos consideravelmente superiores às possibilidades económicas das mesmas” em confronto com o disposto nos artigos 12.º, 13.º e 20.º da CRP. Ora, dúvidas não subsistem de que resulta do artigo 7.º, n.º 3 da LADT, a exclusão liminar e absoluta da possibilidade de concessão de apoio judiciário a pessoas coletivas com fins lucrativos. Todavia, tal percepção, como entende o douto Ac. 591/2016, além de não se mostrar fundado em qualquer preceito constitucional, contende com a extensão e o alcance do conteúdo essencial do segmento do artigo 20.º n.º 1 da CRP, segundo o qual não pode “a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”. Concomitantemente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 da CRP “as pessoas coletivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza”, não existindo qualquer dúvida que também as pessoas coletivas têm o direito de aceder aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, sendo o artigo 20.º n.º 1 da CRP é compatível com a sua natureza. Neste conspecto, E-Report Dezembro 2016 3 o artigo 7.º, n.º 3 da LADT, na interpretação sindicada, retira a toda uma categoria de sujeitos titulares do direito de acesso aos Tribunais uma das dimensões essenciais desse direito, traduzida no direito à protecção jurídica em caso de insuficiência económica. Chamado assim a decidir, o TC entendeu que a norma do artigo 7.º nº. 3 proíbe a concessão de protecção jurídica a toda uma categoria de sujeitos, abstraindo-se, portanto, da respectiva situação concreta. Mais sublinhou que comportando o apoio judiciário várias componentes, o que merece censura constitucional é a denegação de todas elas às sociedades comerciais, a absoluta postergação do direito à protecção jurídica em todas as suas modalidades e seja qual for o circunstancialismo económico. Para a argumentação decisória do TC, teve especial importância o artigo 47.º parágrafo terceiro, da CDFUE consagrando que “[é] concedida assistência judiciária a quem não disponha de recursos suficientes, na medida em que essa assistência seja necessária para garantir a efectividade do acesso à justiça». No essencial, o TC teve em consideração o entendimento do Tribunal de Justiça que no pretérito, confrontado com uma questão prejudicial, decidiu que o princípio da protecção jurisdicional efectiva, como consagrado no artigo 47.º da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não está excluído que o apoio possa ser invocado por pessoas colectivas, e que o apoio concedido em aplicação deste princípio pode abranger, designadamente, a dispensa de pagamento antecipado dos encargos judiciais e/ou a assistência de um advogado. Face às razões expendidas, o TC entendeu que o princípio da protecção jurisdicional efectiva consagrado no artigo 47.º da CDFUE afasta a ideia de uma necessária incompatibilidade entre o apoio judiciário concedido a pessoas colectivas com fins lucrativos e o bom funcionamento dos mercados concorrenciais, salientando que aquele apoio pode constituir uma condição necessária da efectividade de tutela jurisdicional. Tudo dependerá, destarte, do caso concreto: i) a situação do requerente, ii) a sua situação de insuficiência económica e iii) as circunstâncias do litígio. Foi igualmente valorado o facto de numa hipótese abstracta, uma sociedade comercial, portuguesa ou nacional de um outro Estado-Membro da União Europeia, em dificuldades económicas devido à violação de normas de direito da União Europeia pelo Estado Português e que pretenda efectivar a responsabilidade civil deste último, se possa deparar com uma impossibilidade absoluta de discutir com as autoridades portuguesas competentes a sua insuficiência económica para efeitos de obtenção de protecção jurídica, sendo esse entendimento contrário ao artigo 47.º, terceiro parágrafo da CDFUE, colocando-a numa situação de desigualdade face às sociedades em situação paralela noutros Estados-Membros. De outra banda, o TC asseverou que admitir tal apreciação casuística sempre que estejam em causa litígios que impliquem a aplicação do direito da União Europeia cria uma desigualdade relativamente aos interessados em situações paralelas em que esteja em causa somente a aplicação do direito português. Não importando, hic et nunc, tomar partido sobre a lógica e bondade da argumentação que sustenta o Acórdão do TC, resta-nos somente salientar que esta decisão vem quase repristinar a solução originária do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro e posteriormente adoptada pela versão inicial da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que dispunham que as pessoas colectivas – sem distinguir entre as pessoas colectivas com finalidade lucrativa e as pessoas colectivas sem finalidade lucrativa - tinham direito à protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, devendo para tal fazer prova da sua insuficiência económica.

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