1
Mar
2019

“Direito Real de Habitação Duradoura – serve a quem?”, conheça a visão de Nuno Cerejeira Namora e Pedro Condês Tomaz

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Mar
2019

Direito Real de Habitação Duradoura – serve a quem?

Os ventos da tempestade Helena são passado, estando já em alvoroço as ventosidades do ciclo eleitoral de 2019, e que começa a ser já “instrumentalizado” com os mais inusitados diplomas legais de que o nosso legislador (ab)usa, seja numa expectativa de angariação de votos em algumas esferas de eleitores, seja para ajustar/recompensar alianças político-partidárias que viabilizam uma legislatura (pretérita e futura).

Indício paradigmático de que este DHD poderá ser meramente eleitoralista, é a percepção de que esse “direito real à habitação vitalícia” já pode ser alcançado através de outros direitos consagrados no nosso ordenamento jurídico e igualmente renunciáveis, parecendo-nos existir uma clara sobreposição jurídica com as figuras do direito de usufruto e do direito de habitação. A sua renúncia e a sua intransmissibilidade mortis causa são reveladores dessa sua hibridez, que não será de aplaudir e seria antes de evitar.
Esta figura tem, pois pouco de inovador e muito demagógico.
De facto, com os estribilhos da apregoada “estabilidade e segurança na ocupação do alojamento”, foi engendrado este “Direito Real de Habitação Duradoura” (DHD), tratando-se de um novo direito real que se impõe perante todos os sujeitos e que permite ao seu titular (o morador) residir livre e duradouramente no imóvel – o qual se pressupõe que terá de configurar a sua residência permanente.

Para obter a titularidade desse direito real o morador terá apenas de entregar uma caução inicial fixada entre 10% a 20% do valor patrimonial do imóvel, passível de ser financiada por crédito hipotecário tendo por objecto o mesmo DHD. Atente-se que esta esta caução inicial poderá ser restituída parcial ou totalmente ao morador caso o mesmo venha a renunciar a posteriori ao seu DHD, em função do período de permanência no imóvel. Naturalmente que existem outras obrigações para o morador, onde se destaca o pagamento de uma prestação mensal (similar a uma renda) que deverá complementar a já referida caução inicial. Mas serão estas parcas obrigações que possibilitarão ao morador, em contrapartida, adquirir o direito de permanecer – querendo – de forma vitalícia no imóvel, ou seja criou-se uma geringonça jurídica

Ainda não se conhecem todos os contornos do DHD, mas é já notório que estamos perante um direito do morador com uma enorme protecção, à medida que para o proprietário reveste, em sentido inverso, um pesado ónus de coarctação do exercício efectivo do seu direito de propriedade. Enquanto o morador pode renunciar ao DHD a todo o tempo, o proprietário ficará irremediavelmente vinculado ao seu cumprimento vitalício. Ora, o facto do DHD ser renunciável pelo morador, mas inexistir uma previsibilidade para a sua extinção (ainda que condicionada) por parte do proprietário, revela uma desproporcionalidade nas posições jurídicas que dificilmente serão aceites pelos proprietários.

Portanto, aquele que à primeira vista poderá aparentar ser um diploma inovador e recebido entusiasticamente pelos pretensos moradores, dificilmente será bem acolhido pelos proprietários dos imóveis que não pretendem aceitar a limitação do efectivo exercício do seu direito de propriedade, durante um hiato temporal que não controlam, sem garantias de que essa coarctação seja devidamente compensada. Porque desproporcional, limitativo do Direito de Propriedade e desequilibrado, entende-se que este novo diploma está condenado ao falhanço: é um nado–morto!

Deste modo, e sendo evidente que o DHD terá sempre de ser contratualizado entre morador e proprietário, carecendo da vontade de ambas as partes em se vincularem à constituição de tal direito (ficando daí adstritos aos seus efeitos jurídicos), a verdade é que, em jeito de prognose, não se concebe como poderá este DHD alcançar grande expansão nos centros urbanos, ao ponto de corresponder às expectativas ostentadas.

Contudo, uma análise mais profunda terá de ser obrigatoriamente realizada após publicação deste diploma legal, momento em que já será possível descortinar em que moldes foi ponderada a extinção do DRH, a sua possível transmissão inter vivos e o regime do pagamento de caução e das prestações mensais.

Em abono da verdade, na política, mais do que noutros quadrantes da vida, é consensual que “favor com favor se paga”. E como tal, o mais recente “Direito Real de Habitação Duradoura”, apresenta-se como cânone disso mesmo. Um diploma “nascido do nada” e algo insensato, cuja existência alegadamente nem os grupos parlamentares conheciam, e que foi aprovado à manifesta revelia do próprio grupo de trabalho socialista que projecta a criação de uma Lei de Bases da Habitação. Ora, um diploma legal que prevê a constituição de um direito real não pode aparentar ser tão insipiente para a própria evolução do nosso ordenamento jurídico, como se revela que possa ser. O futuro o dirá. Fruto de compromissos partidários de cariz intervencionista e coletivista, este diploma está condenado ao insucesso: não vai criar habitações, nem cativar investidores.

 

Leia aqui o artígo da Vida Económica 

 

 

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