5
Fev
2019

Pedro Condês Tomaz assina artigo de opinião “Empreitada: quando a obra desejada, é obra abandonada” no Diário Imobiliário

5
Fev
2019

“Empreitada: quando a obra desejada, é obra abandonada”


O apelidado “abandono de obra” é considerado como um incumprimento definitivo por parte do Empreiteiro do contrato celebrado.

O contrato de empreitada é, desde logo, um negócio jurídico para o qual não se exige qualquer forma legal para a sua celebração, vigorando um princípio da liberdade de forma. Em simultâneo, é um contrato obrigacional e sinalagmático, de si resultando prestações correspectivas ou interdependentes das partes: enquanto o Empreiteiro se encontra obrigado a realizar a obra, o Dono de Obra está adstrito ao pagamento do preço pela sua realização.

É concludente que o Empreiteiro vincula-se a uma obrigação de resultado (realização da obra), devendo tal obrigação a que está adstrito ser cumprida de forma pontual, integral e nos termos impostos pela estrita boa-fé. Por seu turno, o Dono de Obra obriga-se a pagar o preço estipulado (e da forma convencionada).

Ora, não o fazendo qualquer um deles, o respectivo devedor incorre em incumprimento do convencionado, podendo tal revestir a forma de incumprimento definitivo, mora no cumprimento, ou cumprimento defeituoso.

O apelidado “abandono de obra” é considerado como um incumprimento definitivo por parte do Empreiteiro do contrato celebrado, sendo tal ocorrência cada vez mais recorrente nos dias de hoje, na maioria das vezes fruto da indisponibilidade financeira de qualquer das partes.

Noutro prisma, não se poderá ignorar que, em caso de não pagamento pontual pelo Dono de Obra do preço convencionado, o abandono de obra acaba por ser a reacção natural do Empreiteiro. Ainda assim, a verdade é que este último, mesmo que pretenda um abandono definitivo da obra, não pode deixar de concretizar a adequada resolução do contrato de empreitada, precedida - na maioria das vezes - de anterior intimação ao dono de obra para cumprir os termos convencionados num prazo razoavelmente fixado.

Efectivamente, reside aqui o busílis da questão. Maioritariamente, para se alcançar esse incumprimento definitivo por “abandono de obra” poderá não bastar simplesmente que o Dono de Obra deixe de pagar a parcela do preço a que estava obrigado em determinada data, ou que o Empreiteiro suspenda durante um logo período de tempo os trabalhos da obra.

Com efeito, e de forma sintética, o incumprimento definitivo carece necessariamente de uma intimação prévia a fixar um prazo razoável para o cumprimento da obrigação (seja a conclusão dos trabalhos da obra, no caso do Empreiteiro; seja o pagamento do preço, no caso do Dono de Obra), só se considerando definitivamente não cumprida a obrigação decorrido esse hiato temporal.

A excepção a esse facto serão as situações em que, desde logo, e sendo alvo de apreciação objectiva, o credor (Dono de Obra ou Empreiteiro) perca legitimamente o interesse na prestação da contraparte [imagine-se, por exemplo e em abstracto, a construção de um palco para um espectáculo que irá ocorrer num determinado dia e o empreiteiro não conclui os trabalhos em tempo útil]. E quando assim é estaremos perante uma situação de incumprimento definitivo imputável ao devedor (Empreiteiro ou Dono de Obra), pelo que caberá ao credor, querendo, resolver o contrato e exigir a correspondente indemnização.

Situação algo distinta, mas relacionada, será quando o próprio devedor (Empreiteiro ou Dono de Obra) demonstra liminarmente, antes de qualquer interpelação para o efeito, não ter vontade de cumprir a sua prestação. Nesse caso, atenta a manifestação inequívoca e clara da intenção de não cumprir, estaremos sem mais perante um incumprimento definitivo. Nada obsta a que tal manifestação seja tácita. A título exemplificativo, uma actuação de transfúgio do Empreiteiro que se arraste por um longo hiato temporal, sem qualquer explicação para o sucedido, revelará abstractamente um abandono definitivo que traduz uma evidência natural da intenção do Empreiteiro de não concluir os trabalhos da obra a cuja realização se obrigara.

De facto, se o Empreiteiro inexplicavelmente, e sem que nada o faça prever, interromper os trabalhos da obra durante um hiato temporal considerável poderemos estar perante um “abandono de obra” e subsequentemente perante um caso de incumprimento definitivo, sempre que acompanhado por uma declaração séria, segura e antecipada do devedor de não cumprir a obrigação a que está adstrito. Tal, bem como qualquer comportamento inequívoco demonstrativo da vontade de não cumprir (ou da impossibilidade antes do tempo de cumprir), acaba por equivaler a um incumprimento definitivo. Quando assim é, e atenta a intenção firme e definitiva demonstrada pelo devedor, a contraparte poderá sempre operar a resolução do contrato sem necessidade de intimação prévia, conforme comumente defendido pela nossa Jurisprudência.

É apenas imperioso, para ser lícito concluir-se por incumprimento definitivo, que exista uma manifestação de vontade (ainda que tácita) inequívoca de não concluir os trabalhos. E o que é que poderá ser encarado como tal? Desde logo, uma postura marcada por um reiterado e contínuo afastamento do local da obra, interrompendo de forma total a sua realização, muitas vezes acompanhada da retirada da própria maquinaria de trabalho, do pessoal e das ferramentas, e ainda até dos materiais de obra. Ainda que tal seja sempre uma manifestação tácita, afigura-se séria, segura e inequívoca, da vontade do empreiteiro não cumprir a prestação a que estava obrigado: a realização integral da obra.

De referir, em jeito de término, que o próprio Dono de Obra terá sempre a possibilidade de, a todo o tempo, desistir da empreitada, denunciando o contrato celebrado. É um direito que lhe assiste, tendo apenas como condição indemnizar o Empreiteiro pelos seus gastos e pelo seu trabalho, e ainda do proveito que poderia tirar da obra.

Finalizando, e a este propósito, cumpre destacar dois pontos: primus que “cada caso é um caso”, isto dito que qualquer actuação das partes contratantes deve ser aferida casuisticamente de forma a que os direitos e interesses sejam devidamente salvaguardados; secundus que deverá ser atribuída primazia à justiça preventiva em relação à justiça repressiva, através de um aconselhamento jurídico permanente dos intervenientes.

Apesar de o “abandono de obra” ser uma prática imprevisível, a verdade é que o facto dos contratos de empreitada serem elaborados de forma “artesanal”, sem prevenirem este tipo de situações de incumprimento dos empreiteiros ou contemplarem ditames dissuasores de um eventual desrespeito contratual, contribuem nitidamente para a proliferação de ocorrências desta índole, sendo reiterado o desleixo dos intervenientes na relação jurídica em procurar obter o máximo de garantias possíveis de que a obra será efectivamente concluída e/ou o preço integralmente pago.

 

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